Jesus-Profeta
- Pe. Everson Fonseca
- 27 de jan. de 2024
- 5 min de leitura
Contemplamos, neste domingo, o profetismo de Jesus, que, muito mais do que falar em nome de Deus, é Deus mesmo quem nos fala, já que Ele é o Verbo, a Palavra encarnada. Jesus traz à humanidade a Plenitude da Revelação. Ele não apenas traz a revelação, mas a é de fato, pois em Jesus “habita corporalmente toda a plenitude” (Cl 2,9) da graça e da verdade. Ele não fala da Palavra; é a Palavra. Não fala da parte de Deus, como se fosse um porta-voz divino; Ele é a divindade, Deus Conosco que Se comunica conosco, falando a nós.
Vemos, na Primeira Leitura, a promessa que Moisés faz ao povo da parte de Deus. O povo, transeunte pelo deserto, rumo à Terra Prometida, ainda amedrontado pela teofania (manifestação de Deus) no Horeb, onde o próprio Senhor entrega a Moisés as Tábuas da Lei (cf. Ex 19,16-24), pede a este, que intermedeie junto ao Senhor (cf. Dt 18,16). Moisés transmite aos seus a seguinte mensagem: “O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar” (Dt 18,15). Por que Moisés afirma que o Profeta que Deus enviará será como ele mesmo? Será que não suspeitava que a mensagem do Profeta seria mais eloquente e sublime do que a sua profecia intermediária? Com certeza, Moisés sabia da magnitude da Profecia do “Esperado”, daquele que com máxima dignidade iria sucedê-lo na condução do povo de Deus, o próprio Messias.
Moisés também era cônscio da dureza de coração dos seus e das gerações futuras (cf. Ex 32,9; 33,3.5;34,9; Dt 9,6.13). Isto também é provado, agora no Novo Testamento, quando Jesus reprova os incrédulos: “Pois se crêsseis em Moisés, certamente creríeis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. Mas, se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas minhas palavras? (Jo 5,46-47). Ainda que seja proveniente, pelo menos enquanto humanidade, do meio do povo de Israel, a profecia de Jesus completa integralmente a de Moisés, e culpado será quem não lhe der ouvidos: (cf. Dt 18,18-19). Assim, com palavra à nossa altura de compreensão, Jesus revela-nos os mais altos mistérios da divindade. O que antes era velado, por Ele torna-se obviamente claro à nossa humana condição. Neste processo de ‘abaixamento’ dos mistérios do Senhor, vindo na Palavra do Cristo, não temos mais o que temer.
“Mas o profeta que tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que não lhe mandei ou se falar em nome de outros deuses, esse profeta deverá morrer” (Dt 18,20). Logicamente, este versículo não se refere mais a profecia de Jesus, mas a outros profetas. Quem são estes? Profetizam independentemente do Profeta Jesus? Estes somos nós. Lembremo-nos que, no Batismo, fomos ungidos sacerdotes, reis e profetas. Não independentes do Cristo, mas, por Ele, participamos do Seu sacerdócio, da Sua realeza e da Sua profecia. Participamos pelo consentimento da vontade divina para levarmos adiante uma missão, tal como Jesus, porém em menor grau, já que Ele é Deus. Mas, quando é que falamos em nome de outros deuses, ou mesmo, quando é que adulteramos a Palavra de Deus? Em muitas ocasiões: seja quando adotamos o ter, o prazer e o poder como soberanos em nossa vida; seja quando anunciamos nossos caprichos e nos esquecemos de Deus; seja quando agimos fora da apostolicidade da única e verdadeira Igreja de Cristo, que é a Igreja Católica Apostólica Romana, pois aqueles que assim o fazem anunciam um deus ao seu modo, independendo-se da Tradição ensinada pelo Sagrado Magistério da Igreja. Quem assim profetiza não o faz em nome de Deus, e recebe a condenação eterna. Lembremo-nos do que diz o Senhor Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt 7,15).
No Evangelho, contemplamos Jesus na sinagoga, cumprindo o preceito mosaico acerca do sábado. Ali, Jesus ensina, exercendo, o seu múnus profético, que ainda estava velado como tal. São Marcos precisa, comparativamente, a forma do ensino de Jesus: “ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22). Cristo ensinava argumentando, não lisonjeando a Lei como os fariseus. Ensinava com poder, convertendo os homens ao bem e advertindo com penas os que não criam. O ensinamento de Jesus era tão potente que admirava os homens e aterrorizava os espíritos maus. Esta ideia nos remete à Primeira Leitura: se lá, no Deuteronômio, o povo não quer que Deus lhes fale diretamente por medo de morte; aqui, no Evangelho, as palavras de Jesus são insuportáveis ao demônio. Por isso, o demônio, pela boca do homem possuído, diz: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (Mc 1,24). Ao que Jesus, com autoridade replica: “Cala-te e sai dele!” (Mc 1,25). O que significa esta repreensão de Jesus? É vontade de Deus estabelecer comunicação com os homens e nunca com o Diabo, porque este nunca poderá se converter, pois já fez a sua escolha imutável e a sua sentença é irrevogavelmente implacável.
Vislumbramos ainda o espanto e as indagações dos que viram aquela cena: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” (Mc 1,27). Ora, às doces e potentes palavras de Jesus, tudo Se lhe faz submisso. Cristo, ao expulsar o demônio, libertando aquele homem, traduz para os Seus ouvintes que, assim como a Palavra de Deus cria tudo do nada, de igual forma ela tem a força de dissipar todo poderio mortal do mal. Logo, todas as vezes que resistimos ao que as Sagradas Escrituras nos ensinam, estamos sendo aliados do demônio e adversários de Deus. Uma reflexão: se até mesmo o Diabo reconhece o poder do Filho de Deus, por que muitos não aceitam Jesus? Ironicamente, será que pretendem ser mais hostis ao Cristo do que Satanás?
Na Segunda Leitura, São Paulo, não desfazendo da união matrimonial, aconselha que aquele que quer se entregar inteiramente ao serviço do Senhor e da sua Igreja deve guardar o celibato, pois, em uma vida marital, agrada ao Senhor o que se entrega em doação mútua ao cônjuge. Interessante é notarmos que no termo latino “cælibatus” contém o prefixo “cæli”, do céu. Tal partícula nos faz remeter ao que ensinou Jesus: “Na ressurreição, os homens não terão mulheres nem as mulheres, maridos; mas serão como os anjos de Deus no céu” (Mt 22,30). Esta continência perfeita pelo Reino dos céus foi sempre tida em grande estima pela Igreja, como sinal e incentivo da caridade e como fonte privilegiada de fecundidade espiritual no mundo (cf. LG 42). Na virgindade e no celibato, a castidade mantém o seu significado originário, o de uma sexualidade humana vivida como autêntica manifestação e precioso serviço ao amor de comunhão e de entrega interpessoal.
Que, inseridos no múnus de Cristo Profeta, o Casto por excelência, “zeloso pelas coisas do Senhor” (cf. Sl 69,10; Jo 2,17), possamos testemunhá-Lo com vigor e, trilhando o caminho da santidade, possamos agradá-lo sempre e sempre mais.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).
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