Tempo de conversão e de seguimento
- Pe. Everson Fonseca
- 20 de jan. de 2024
- 4 min de leitura
Dizem os antigos em sua sabedoria: “Estamos aqui, nesta terra, passando um chuvisco”. Olhando para trás, para nossa história, percebemos como a nossa existência passa “num piscar de olhos”. Pois bem, nas três leituras proclamadas, temos um realce para a temporalidade.
Na Primeira Leitura, vemos o Senhor que envia o profeta Jonas a caminho de Nínive para que, com um discurso eminentemente catastrófico, trouxesse corações para Deus: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). Na numerologia bíblica, o número quarenta indica uma ocasião para purificação de coração, conversão. O povo de Nínive deveria converter-se ao Senhor, crendo Nele e fazendo reparação pelas faltas cometidas. Muito mais do que jejuns, holocaustos que visassem alcançar a misericórdia de Deus, os ninivitas deveriam mudar de vida, abandonando o seu caminho de pecado, fazendo uma opção sincera por Deus. Logicamente, os ninivitas não deveriam tomar esta atitude pelo temor (tampouco o Senhor Se agradaria se assim o fizessem). Mas, reconhecendo Deus, crendo Nele, os ninivitas abandonariam os seus pecados.
Possivelmente, muitas vezes agimos para com Deus com atitudes comerciais de comportamento e, portanto, de vida. Muitas vezes somos observadores dos preceitos divinos pelo medo, e não pela fé. Quem assim age, vive equivocadamente. O que deve motivar a pessoa a agir de acordo com a vontade divina deve ser o amor que sentimos por ele. É a nossa profissão de fé que deverá nos proporcionar um estilo de vida e não o inverso. Se Deus se agradasse do nosso vão temor, não seríamos livres, mas escravos, submissos, já que nos oprimiria com a Sua vontade.
A atitude de crer, automaticamente, dever-nos-á levar à obediência, cujo termo original latino nos remete à atitude de escuta. Somente damos ouvidos às pessoas a quem depositamos confiança. Crer, obedecer, mudar de vida: três atitudes constantes que brotam de um coração livre e, por isso, sempre inconformado com a sua condição.
No Evangelho, temos a vocação que Jesus faz à beira do Mar da Galileia. O trecho de São Marcos lido hoje possui uma dupla cena que nos remete a um só contexto: num primeiro momento, vemos Jesus, após a prisão de João Batista, percorrendo a Galileia, afirmando a completude do tempo e propondo o Reino: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1,15). Qual tempo se completou? O da salvação; e, por meio desta certeza, alcançamos o Reino, total pertença a Cristo, que está no meio de nós para salvar-nos.
Como sabemos, a salvação trazida pelo Cristo é universal; Ele faz esta proposta a todos! Cabe, por meio de uma resposta sincera, que implica em vivência, corresponder-Lhe. Conversão e fé; fé e conversão: uma fórmula de vida, cujos elementos se implicam sem prejuízos.
Observamos que, no segundo momento do Evangelho, Jesus passa chamando os que ele quer. Interessante o chamado: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens” (Mc 1, 17). Este momento pode aparentar uma desconexão do primeiro instante, mas não o é. Jesus chama os que Ele quer para um seguimento iniciado por uma opção que caracterize uma mudança de vida.
Entretanto, o meu processo de conversão não deve contemplar apenas com o meu; mas, deve começar por aqui, pelo meu interior, e chegar aos outros. Dessa forma, se eu quero que outros percebam a chegada do Reino, devo, por primeiro, reconhecer individualmente a sua chegada; se quero que outros se convertam e creiam no Evangelho, esta atitude firmemente deverá ser vivida por mim. É uma vocação pessoal que não pára em mim, mas que se expande como testemunho.
Vocação é chamado. Aceitamo-la ou não, conforme a nossa vontade. Porém, mesmo não aceitando, o chamado permanece. Uma vocação que nos faz livres, e esta deverá imperar em anúncio para os outros. No entanto, ao tempo em que nos tornamos livres perante Cristo e o mundo, tornamo-nos, concomitantemente, escravos de Cristo (cf. 1Cor 7,22), não com grilhões e jugos, mas com o doce e agradável mistério de pertença a Ele.
Somos cônscios de que a vida dos primeiros chamados por Jesus foi transformada radicalmente. Esta mudança foi perceptível de tal maneira que outros se sentiram impelidos ao Senhor por meio de suas existências: “E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus. […] deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus” (Mc 1, 18.20). Este deixar tudo implica muito mais do que locais de trabalho e de convivência. Esclarece-nos, sobretudo, a certeza de que largaram, incomodados pelo chamado do Senhor, tudo o que lhes impedia de reconhecer Deus, crer Nele, de trilhar a Sua vontade, numa vida convertida, ou pelo menos na tentativa de conversão.
A este deixar tudo também se associa a idéia de que devemos deixar as improváveis seguranças que o mundo oferece à nossa vida. Neste sentido, a Segunda Leitura, também acorrendo à brevidade do tempo que nos resta para abraçarmos definitivamente o Reino, aconselha-nos a não confiarmos no mundo nem nas coisas que ele oferece, “Pois a figura deste mundo passa” (1Cor 7,31). Com este conselho, São Paulo não demoniza o mundo, tampouco a nossa estadia nele, mas quer nos alertar acerca da transitoriedade de tudo quanto ele oferece.
Certos de que ainda estamos em tempo hábil para uma radical mudança de vida, num projeto que exige paciência e disponibilidade, não adiemos a nossa total adesão ao Cristo que passa, chama e anuncia: “Convertei-vos e crede no Evangelho! O Reino está próximo. O tempo completou-se”. Sejamos-Lhe atentos, pontuais!
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).
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